População foi a praça em Tel-Aviv, onde comemorou a libertação dos reféns | Foto: Reprodução/Instagram Bring Them Home

 

Da janela de seu apartamento em um subúrbio de Tel-Aviv, a israelense Sarah Fried, de 32 anos, contemplou, pela primeira vez em dois anos, um cenário de paz. O clima de ameaça, tão forte há pouco mais de quatro meses, durante os bombardeios do Irã, estava abafado por um som longínquo de música judaica e de vozes de pessoas em comemoração.

Aquele amanhecer ocorria poucas horas depois de o presidente Donald Trump ter anunciado o fim da guerra entre Israel e Hamas e um acordo para o retorno dos reféns capturados pelo grupo terrorista nos ataques de 7 de outubro.

“A guerra mobilizou toda a sociedade”, conta ela a Oeste. “As pessoas que foram mortas, feridas e sequestradas no 7 de outubro, as famílias, as dúvidas sobre as falhas de segurança do país naquele dia, a dor de saber que todos os dias, nos últimos dois anos, havia pessoas sofrendo, morrendo, sendo torturadas, sabendo que poderia ser o último dia deles. É muito doloroso viver tudo isso. Não paro de pensar nos reféns, e minha angústia só vai terminar por completo quando eles realmente voltarem.”

Logo ao se levantar, diante da novidade, ela precisou de alguns minutos para saber se estava acordada ou se tudo não passava de um sonho. De repente, se deu conta de que o dia era mesmo de comemoração. Na programação da TV, a bela canção Coming Home, nas vozes de Shiri Maimon e Tamir Greenberg, era exibida.

Sarah atua como consultora de Relações com o Cliente em uma empresa de tecnologia. Assim como no ataque do Hamas em 2023, o dia de hoje é feriado em Israel. Ela foi convidada por amigos para ir à Praça dos Reféns, em Tel-Aviv, onde, desta vez, a multidão não pedia o retorno deles, mas celebrava o fim dessa agonia.

“Israel, nas últimas décadas, se tornou uma sociedade muito dividida”, admite ela, sobre o clima no país desde a morte de Itzhak Rabin, em 1995, primeiro-ministro assassinado por um ortodoxo judeu, contrário aos acordos de paz com os palestinos, que o premiê havia assinado.

Agora, porém, mesmo os que eram contrários a concessões ao Hamas estão vibrando com o retorno dos reféns. A guerra separou, mas também uniu o país.

“Houve discordâncias especialmente em torno da guerra, sobre o cessar-fogo e o retorno dos reféns. Mas agora a grande maioria das pessoas em Israel está celebrando. Está realmente feliz porque a guerra está acabando.”

O marido dela já a avisou. Não terá como voltar cedo sem comemorar a notícia com amigos, muitos dos quais tiveram parentes que participaram dos combates. Sem contar que alguns deles também foram convocados para as Forças de Defesa de Israel (FDI).

Sarah só não pôde ir porque precisa cuidar de seu bebê recém-nascido. Ela já tem um filho de 3 anos e meio e sua liberdade de ir e vir, no momento, está limitada em função da maternidade. Sua gestação ocorreu em meio a todo este sofrimento, de ver mães que choravam a morte de filhos. E da preocupação de gerar uma vida em um mundo tão conturbado.

Prevaleceu, para Sarah, o instinto de preservação. Ela evitou falar sobre a guerra com o mais velho. Quando for pegá-lo na escolinha, daqui a algumas horas, também prefere que o fim deste período maligno seja explicado de forma natural.

“Pensei em pegar o meu filho e passar um pouco lá na praça com ele, mas a realidade é muito complicada para eu tentar explicar a ele o que está acontecendo”, afirma Sarah.

“Realmente tentei preservá-lo nos últimos dois anos, tanto quanto possível. Então eu acho que hoje não é o dia de abrir essa caixa de Pandora.”

Geração moderna

A geração de Sarah acompanhou um período de modernidade em Israel, no qual os conflitos se restringiam mais às fronteiras e de forma pontual, contra grupos terroristas, como Hamas e Hezbollah. Até 7 de outubro, ela não teve experiência de vivenciar uma guerra. O novo contexto pegou de surpresa as pessoas próximas à sua idade.

“Quando a guerra começou, eu morava em um apartamento sem quarto de segurança, então tínhamos de correr para um abrigo pelo menos três vezes ao dia”, conta Sarah.

“Cada vez que havia uma sirene, com meu bebê e meu cachorro, tínhamos que encontrar um local seguro rápido.”

O susto permanente a fez mudar todo o seu estilo de vida. Mais adaptado à realidade de Israel, que ficou latente a partir de 7 de outubro. Na sequência, vieram os mísseis lançados pelo Hezbollah, do Líbano, os dos houthis, do Iêmen, e o confronto inédito com o Irã, que por anos assolou o imaginário da população como um pesadelo.

“São guerras interligadas, porque nenhuma delas teria começado se não tivéssemos o 7 de outubro”, observa a consultora. “A partir dessas situações repetitivas, precisei me mudar com minha família para um apartamento com quarto seguro.”

Semelhanças com a guerra de Israel em 1967

O cenário de hoje em Israel lembra um pouco o da euforia que envolveu o povo no dia seguinte ao fim da Guerra dos Seis Dias, em 1967. Em curto período, Israel neutralizou a ameaça vinda de potências regionais, como a Síria, o Egito e a Jordânia, para vencer os três inimigos e preservar sua existência.

Da maneira que o conflito se desenrolou, a eficácia das FDI, naquela ocasião, foi tamanha que a população teve a certeza de que nada seria capaz de destruir o país.

A Guerra do Yom Kipur, em 1973, quase abalou essa convicção. Mas a reação rápida de Israel, contra os mesmos inimigos, serviu para fortalecer ainda mais a crença na força da nação.

A atual população israelense é formada pelos filhos e principalmente netos daquela geração anterior. Tem outras características. É mais ligada à tecnologia e menos às questões bélicas. Por isso, é mais vulnerável a esse tipo de adversidade.

“Estamos alertas todo o tempo, esperando por uma sirene em todos os lugares que vamos”, conta ela. “Assim que chego a algum restaurante ou supermercado, qualquer lugar, fico tentando encontrar onde está a sala segura e é assim com todos os que conheço.”

Além disso, nunca, nas últimas quatro décadas pelo menos, tantos planos foram desfeitos ou famílias foram fragmentadas, obrigadas a verem seus parentes irem para o front.

“Nossas vidas foram atrapalhadas drasticamente, a base do dia a dia se perdeu”, prossegue ela.

“Amigos foram comandar tropas como reservistas das FDI. Famílias foram desarranjadas pelo fato de que um ou dois parentes tiveram que sair e servir. Todo o caminho da vida realmente ficou bagunçado e é difícil lidar com isso.”

O alívio, segundo ela, é grande neste momento. Mas a dor não vai ser desfeita de uma hora para a outra. Sarah nem sabe se um dia será.

“Sei que por muito tempo vou continuar entrando em um local e me perguntar onde posso esconder meus filhos”, já prevê, encarando a nova tendência do pós-guerra.

“Estou realmente feliz com o fim da guerra e com a notícias de que os reféns vão voltar. Mas não tenho certeza de quanto tempo vai levar para superarmos o trauma e as consequências. Não acho, na verdade, que eu serei a mesma de novo.”

Oeste

Comentários

Postagem Anterior Próxima Postagem